terça-feira, 17 de agosto de 2010

sábado, 27 de março de 2010

PESADELO





PESADELO


Sem versos na hora da solidão, salpicando o vazio de rimas atordoadas em pingos de ironia, ria com vontade louca de chorar.
Rasgava por dentro, abrindo caminhos nunca dantes percorridos e com os pés sangrando, esmagava as folhas secas de medo, permitindo-se castigar pelos laços desatados, um a um, do cais onde nunca tinha conseguido embarcar.
E num mar por inventar, dobrava todos os cabos, bebia todas as tempestades, que apenas iam fustigando o seu corpo, em frágeis tentativas de um abraço.
Os beijos amordaçados nas bocas caladas da noite, gritavam pelas migalhas esfareladas, na esquina do seu lençol.
E no frio regelado das águas revoltas, rumo ao nada, sentia-se presa e esmagada pelo peso do seu desencanto.
Tatuada pelo sol escaldante do deserto, rasgava janelas na sua pele e estendia os braços, apertava os dedos, com a raiva de quem quer agarrar frutos frescos das mil e uma noites perdidas, onde só tinha ouvido contar histórias de encantar.
Gargalhadas estridentes em bocas desdentadas, batiam palmas de desdém ao seu infortúnio, pisando-lhe a alma, ponteada no seu próprio pavor.
E em sedes insaciáveis, babava pelo canto da vida, espreitando o seu corpo nu, pobre e ausente de mãos suaves em toques e gestos de veludo, que tinham conseguido todos os orgasmos, mesmo aqueles abortados por falta de cumplicidade.
Embalava a morte com cantigas de menina, adormecida na antecâmara do desespero, embrulhada nos retalhos daquela noite, que teimava em não ser “outro dia”...
Ai... que pesadelo...
Que horas são?

Milena Guimarães

ENQUANTO






ENQUANTO


Enquanto,
Me sento na esquina do pensamento e deixo adormecer o sonho,

Enquanto,
Me escondo sob o manto da lua e deixo pratear o pesadelo,

Enquanto,
Bebo o amargo da saudade e deixo permanecer o terrível da ausência,

Enquanto,
Atravesso o rio da minha solidão e deixo acontecer o vazio,

Enquanto,
Sugo a verdade do sentimento e deixo a mentira tomar o seu lugar,

Enquanto,
Exijo o rigor de ter, de ser e deixo que a vida lá fora, escape das minhas mãos,

Enquanto isso,
Eu simplesmente
Deixo que vocês vivam por mim.


Milena Guimarães

sexta-feira, 26 de março de 2010



O INEXPLICÁVEL II

Aquela mulher feita, com uma vida recheada de sucessos, de vitórias, de problemas, de muitos amores e desamores também, uma vida enfim... repleta, activa, forte e muito, muito envolvente, precisava de relaxar, de respirar ar puro, de ouvir os passarinhos cantar ao romper da aurora, longe da balbúrdia da grande cidade.
E para isso, não lhe falassem em hotéis de luxo ou coisa parecida... pois só havia um lugar e mágico... aquela “casinha”, que a sua Avó lhe havia deixado e onde ela tinha sido tão criança e tão feliz.
Assim, mal apanhasse um fim de semana prolongado, metia-se no seu carro e lá ia a caminho do “seu Trás-os-Montes”...sim, porque ela chamava-lhe seu e com que propriedade.
A “casinha” de pedra erguida no meio do pinhal e afastada da aldeia... era uma boa casa “senhorial”, com todo o conforto na época... uma enorme cozinha com lareira à séria, onde o fumeiro secava, uma mesa comprida que dava para todos e eram muitos. A sala de banho, sim era mesmo uma sala, com uma banheira de esmalte com os pés em cobre, que eram quatro leões a segurar, mas não havia canalização, aquecia-se a água em potes à lareira. À medida que conduzia, todas estas lembranças, lhe vinham à memória, fazendo-a sorrir sempre que se lembrava dos primos e das “malandrices” que ajudava a arquitectar. Era uma pena, mas estava fechada, embora sempre muito asseada graças á senhora Ermelinda, mulher sozinha, já duma certa idade, mas muito amiga, que se encarregava de tudo e imaginem a troco apenas duns “miminhos” que a sua menina lhe trazia... então aquele xaile estampado, para ela usar na missa dos Domingos, foi o melhor presente que lhe podia ter dado. Só a inveja que ia fazer à comadre e amigas! Sábia a senhora Ermelinda que não conhecia uma letra do tamanho duma casa, mas sentia o quanto eram importantes estes “intervalos”, na vida da menina que ela tinha visto nascer.
Porém, além do descanso ela tinha um segredo que alimentava o seu imaginário e que não dividia com ninguém, pois além de inacreditável seria até um sacrilégio.
O seu primeiro Amor… que Saudade… o Hélder!
Como ele era lindo, alto, loiro, meigo, delicado e inocente… como corriam por aqueles montes de mãos dadas, como ele tinha sempre à mão um mimo para lhe fazer, e como todas as flores campestres serviam para enfeitar os cabelos dela. Mas o melhor e único presente que ele lhe tinha dado….aquela bonequinha de celulóide, com um vestidinho garrido de chita, comprada na feira dos 25, lá na aldeia…. Ai… aquela boneca… dançava, rodopiando em seu quarto, sempre com ela colada no peito.
Quem diria que aquele Amor jurado eterno acabaria fatidicamente na espetadela duma vareta enferrujada de um guarda-chuva velho, todo esfarrapado que tinham descoberto na adega, para fazerem um papagaio... quando o Hélder se espetava num dedo, provocando assim o tétano ao infeliz apaixonado.
Tudo morria ali, menos a profunda saudade que até hoje é saboreada e vivida com um gosto do “inexplicável”, pois cada vez que a nossa amiga vai relaxar à sua “casa de recordação”, uma boneca igual à primeira, está confortavelmente deitada no travesseiro da sua cama.
Uma colecção, já enorme faz parte da vida desta mulher, que cada vez mais apaixonada por um passado, procura fazê-lo bem presente, num futuro completamente desconhecido e inexplicável……….


Milena Guimarães

quinta-feira, 25 de março de 2010







O PRESENTE



Ontem era nada...
Hoje é vida e pula vertiginosamente ao encontro da minha dimensão...
Lembrei-me de ti...
Lembrei-me de mim...
Maldição... é quando o ontem não é recordado, nem o amanhã desejado...
O hoje é presente, de todos os presentes, o mais precioso...
E neste silêncio de vaguear por mim, sinto o mar salgado na garganta, nas noites que falam em saudade e desejo, em promessas de comunhão, com a fúria mansa dos dedos que se deixam entrelaçar, agarrando o mundo, para sempre nele nos encontrarmos, num fio de luz, duma cor qualquer do arco-íris.
Na minha boca, tantas palavras choradas e ridas, sob o signo da coragem... mantendo-se virgens às infundadas dores, com a inocência da primeira vez.
Compreendo-me...porque sinto o pulsar inquieto de quem me chama, abro os olhos a meio da noite e acordo em ti, preguiçando nas ondas do teu sorriso, aconchegar-me em teus braços e sugar toda a felicidade do momento... é só o que mais quero.
Compreendo-te... dou-te a minha mão, que apertando a tua, acredita na transparência dos teus sussurros, chamando por mim, com a predestinação de um eterno ficar.
Supostamente, esta noite não poderia ter fim... mas na vertigem do tempo, em cadências certas, os ponteiros do relógio marcam o impulso, não nos permitindo esquecer o gesto, a palavra, o olhar, o sortilégio de momentos com cheiro à essência da vida que corre em nós, sem que ninguém nos ensinasse, mas que a descobrimos, olhando-nos nos olhos cheios de sonhos, numa experiência única e sem pecado.
Perdi contigo... todas as limitações, transborda-me o peito, feito um rio de águas cristalinas, pronto para saciar todas as minhas sedes.
Voa comigo, na dimensão profunda de uma viagem de saudade, sonho e desejo, dos nossos encontros em lençóis de alfazema e de esperança... e a nossa verdade só terá um caminho, a entrega desmedida da vastidão do nosso querer.
E porque “presente” é hoje, permito-me desmaiar neste contentamento, babar pelo canto da boca e ter-te eternamente em mim.

Milena Guimarães

terça-feira, 23 de março de 2010

Inexplicável


INEXPLICÁVEL


Todos os Domingos de manhã o Cláudio fazia o mesmo. Acordava, tomava o seu banho, um saudável pequeno almoço, vestia um belo fato de treino, ténis a condizer com o homem de bom gosto que é e sempre foi e na companhia do seu mais fiel amigo, o Doberman “Apolo”, lá iam até àquela praia deserta, porque o tempo e a estação, convidavam a tudo, menos a saborear as delícias de um mar encapelado de ondas altíssimas.
Era o mês de Fevereiro, um Fevereiro seco e muito frio. Mas o Cláudio chegava à praia, estacionava aquele carrão e era só abrir a porta, que Apolo corria desembestado, alheio à temperatura, já que gripe era coisa que não pegava e “como amigo não empata amigo”, enquanto o belo do animal corria e farejava, brincando de “Vira latas”, classe invejada só de vez em quando pelos cães de luxo, Cláudio sentava-se num rochedo com o jornal na mão, sem conseguir ler.
Aquele momento era tão especial, que notícia alguma poderia manchar a sua meditação. O seu olhar profundo, fixado no horizonte em busca de algo que o transcendia, aquela paz que não achava neste Mundo revolto e controverso, estava ali, naquele vai e vem das ondas que um dia, lhe iam pregar uma partida com a chegada dum barco, trazendo apenas uma única passageira.
Era uma mulher lindíssima, nos seus trinta e poucos anos, de pele branca acetinada, uns cabelos dourados, compridos, cheios de caracóis e soltos à brisa marinha que emolduravam um rosto belo, perfeito, mas angelical, onde dois olhos azuis, mais pareciam dois pedacinhos arrancados ao céu, vestia de pureza e pecado, pois o branco de anjo, deixava transparecer o corpo escultural, feito tentação. Na cabeça, uma coroa de flores silvestres com o perfume do infinito……….
Meu Deus!!!!!!!!!!!!!
Mas o que é isto?
Tanta beleza……… a mulher com quem sempre sonhe, aqui na minha frente! Vinda de onde, como e porquê? Só pode ser ao meu encontro e não é miragem!
E à medida que caminhava para ele, os pés que se enterravam na areia e mesmo assim com uma delicadeza, encurtavam a distância entre eles, embora o Cláudio apenas de rompante, tivesse saltado do rochedo onde havia se sentado, sem sequer se mexer, tal era o espanto e fascínio...
Naquela praia se conheceram, trocaram palavras e carícias lindas, confessaram pecados inconfessáveis e amaram-se até à loucura, naquele Domingo e em todos os que se seguiram.
Cláudio vivia feliz, como nunca tinha sido até então, as semanas duravam eternidades de Domingo a Domingo e Cláudio tinha que acabar com aquele sufoco, com aquela ansiedade. Estava decidido, no próximo Domingo, iria trazê-la consigo, sem perguntas ou condições, enfrentaria qualquer situação, para dar continuidade à sua louca paixão.
O Domingo que teimava em chegar mais do que os outros, chegava enfim. Tudo igual, a mesma espera, o mesmo olhar fixo naquele horizonte, só que a sua amada nem sequer despontava lá longe. Esperou, desesperou a hora do almoço já ia longe. O sol começava a desaparecer na linha de água, o desespero, a tristeza, a incerteza, a dor da ausência e todas as dúvidas, começavam a dar-lhe uma sensação de agonia……. Aquilo não podia estar a acontecer com ele, não agora, depois de tudo vivido. O que tinha acontecido entre eles, tanto amor, loucura, promessas e a grande cumplicidade, não podiam apenas ser sonho.
Eis senão, quando é despertado pelo Apolo, que correndo para ele, trazia na boca a coroa de flores, que a sua misteriosa amada, sempre usava nos cabelos.
Até hoje, não sabendo como nem porquê, Cláudio viveu a mais feliz, mas também a mais inexplicável história de amor.

Milena Guimarães

segunda-feira, 22 de março de 2010

CHEGUEI


CHEGUEI


Não me lembro de ter nascido, mas sei o dia... foi numa manhã de mil lágrimas de dor e de alegria... feita um furacão, rasguei as entranhas de uma vida, para de assalto tomar a minha própria vida.
Nada tem sido fácil até aqui, na construção de uma história escrita sem rascunhos, mas com tantos gatafunhos pelo meio... que ficará de certeza absoluta no fundo de alguma gaveta, para quem com imensa curiosidade, um dia passar os olhos e nela se rever.
E porque Alguém me confiou a missão da existência, entre lamentos escorregadios do meu fado, tenho também conseguido entoar com alguma afinação, melodias orvalhadas pelo romper do dia, na pauta dos meus encantos.
Na persistência do meu caminho, entre gestos ousados, horizontes desconhecidos e inquietas tentações, tenho-me divertido “à grande e à francesa”, sempre que descubro atalhos nus e me despeço de momentos longínquos, para de imediato achar na dança da minha imaginação, figuras de proa, altivas na coragem, doces no gesto acolhedor, irreverentes na tão desejada mudança, plenas na certeza única de que vale a pena “chegar”...
Tantas vezes achada e perdida no meu rumo inevitável, perder e ganhar na emoção desmedida do meu querer, sempre me deixo ficar num cais qualquer, pronta para embarcar na louca aventura da vida, porque aqui estou... não de faz de conta, mas para valer...
E na distância profunda do esquecimento, curvo-me apenas às memórias sem remorsos, por todos os impulsos arrancados ao vento, à procura de quem sou, mas nunca me permitindo saber e não vá o diabo tecê-las e acabar de vez com esta adorável tentativa de descoberta.
Abraçar a chegada no novo de cada dia e desatar os nós, que teimosamente apertam e marcam... é a tarefa primeira e única que vos deixo de herança, neste riacho sem pressa de chegar... e que desaguará um dia, no oceano de todos os mares.


Milena Guimarães

domingo, 21 de março de 2010





CONTAS À VIDA

As mãos encarquilhadas pelo peso dos anos, desfiavam as contas do rosário, daquela vida que tantas amarguras, tormentos e horas difíceis, tinham sido apenas os seus presentes.
Uma família tão grande, o seu finado homem, que só porrada e palavrões do cabo da esquadra, achados nos vapores do álcool, porque em toda a sua vida, só na bebedeira encontrou a fiel companheira, foram os únicos mimos a que teve direito.
Oito filhos, quarenta e um netos e dez bisnetos, espalhados por esse mundo de Deus, pois a emigração foi a única maneira de tentar uma melhor sorte.
Tanto... afinal para nada sobrar, a não ser a Bolinhas, uma gata pachorrenta, gordinha, de pêlo bem tratado, que era o único parente, testemunhando uma enorme família reduzida a nada, pelas contingências de vida, que sempre foi implacável com ela. Assim, as duas partilhavam o mesmo pires de leite, a mesma cama e as longas conversas enquanto, nas tardes curtas de Inverno, a Bolinhas se dava ao luxo de brincar com o novelo de linha, que num mimoso croché, aumentava um enxoval, quem sabe, para a bisneta mais nova, já em idade casadoira.
Tudo corria bem até aqui, pois já se tinha conformado com este único grau de parentesco, quando até a Bolinhas, tinha ido embora.
Que ingratidão!
Já nem se lembrava de há quantos dias, a sua Bichana tinha fugido, como iria agora preencher tal vazio?
Mas, naquele final de tarde, perdida nos seus pensamentos, recordando o pouco que teve e o muito que tinha perdido, ouviu um “miar” diferente, como um chamado de alegria e regresso ao aconchego. Quietinha, suspendeu até a respiração por breves segundos, pois precisava certificar-se do tão esperado “miar” e com um sorriso aberto, que logo lhe aqueceu o coração: Ai a minha Bolinhas! Só pode ser ela... levantou-se com o custo habitual de quem carrega todas as artrites e lá se arrastou, pela casa fora (também era pequena)... e seguindo o som daquele “chamado”, que tão bem conhecia, foi directa á marquise e no canto esquerdo, ao lado da sua velha máquina de costura, lá estava ela, onde tinha improvisado nuns trapos velhos, um berço para os seus filhotes. Com o rabito em pé, que docemente passava nas pernas da sua grande amiga, apresentava-lhe, com orgulho e amor de Mãe, a sua ninhada composta de sete gatinhos.
Vês, são nossos!
Pensaste que eu ia te abandonar?
Desculpa... como tu, também eu ninguém tinha.
E ingrata não sou...sabes bem, minha grande amiga, que jamais esquecerei o dia em que me achaste naquele pinhal, onde fui abandonada. Cheguei mesmo a pensar que seria o meu fim. Esfomeada, com o meu corpo cheio de feridas, já nem forças tinha para correr atrás de um ratito que fosse e entregue á minha triste sina... apareceste tu, com o teu enorme coração, pegaste em mim ao colo e falaste doce comigo: “minha bichinha.... pobrezinha... quem teria tido a coragem de te abandonar aqui?” ele há gente para tudo, mas deixa estar, eu vou tomar conta de ti. E eu confesso-te, naquele momento nem queria acreditar, mas tu aconchegaste-me no teu peito, trouxeste-me contigo, curaste as minhas feridas e temos partilhado a nossa vida.
Mais uma vez, peço-te: desculpa-me e agora que a nossa família aumentou....olha como são lindos... pega neles, pega!!!
Não te zangues comigo... foi tudo o que me sobrou duma noite mágica, em que me deixei encantar por um “gato vadio”


Milena Guimarães
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sábado, 20 de março de 2010


FIM DE SEMANA



Aquele fim de semana queria que fosse diferente, apetecia-lhe que fosse diferente, longe da balbúrdia da grande cidade e até dos seus amigos, não que os dispensasse por qualquer motivo à toa, pois eram importantes demais para ela e ainda por cima, escolhidos a dedo.
Mas, no momento precisava de estar só... tinha saudades do seu estado de alma selvagem e afinal, por todos os motivos e mais um... tão poucas vezes o conseguia.
Cansada de hotéis de cinco estrelas e de todas as mordomias, a que tinha direito, para isso... pagava bem... não pensou duas vezes e mãos à obra.
Descobriu na sua arrecadação, uma daquelas arcas frigoríficas, que só servem mesmo para os ditos “pique-niques” e lá meteu o necessário, para pelo menos dois dias...frutas, yogurtes, queijo, fiambre, presunto, alguns sumos e água... pois queria mesmo parar num deserto, mas claro... não morrer de fome.
Juntou às suas tralhas um saco para dormir, uma toalha de praia e enfiada numas jeans com uma camiseta, lá carregou tudo para o seu “todo o terreno” e partiu sem destino, sem esquecer um bom livro “ o verão da minha ousadia” de “Barbara Delinsky”, o seu MP3 com música de boa qualidade, o que em circunstância alguma, dispensava.
Parou numa área de serviço, atestou o depósito de gasóleo, fez umas compras, chocolates, pipocas, pão de forma e lá se fez ela à estrada.
Para onde, perguntava a si própria... oh! sem destino... afinal é o que mais desejo e tenho a certeza, que o lugar que eu tanto quero, está mesmo à minha espera.
Andou sem fim, sem sequer olhar qualquer indicação, mas sempre tendo o mar à sua direita.
Bom... tenho que sair da estrada principal e meter-me por aí, em qualquer “caminhosito”, daqueles que até Deus desconhece, senão vou acabar por não achar o meu “paraíso”...
E entre quelhas e caminhos de cabras, virando à esquerda ou à direita, seguindo a sua intuição....deu de caras com um lugar...lindo demais para ser verdade... mais parecia uma “miragem”, nem rodados de carro nem qualquer vestígio de gente, tendo passado por ali, apenas as “patitas” das gaivotas, marcavam na areia, a presença de vida.
Pois é aqui mesmo que vou ficar. Este sim era o lugar que procurava. Aqui é o Paraíso, o meu Paraíso.
Pelas contas dela, seriam mais ou menos umas cinco da tarde. Tirou a roupa e como Deus a mandou ao mundo, assim se permitiu que aquele Sol beijasse todo o seu corpo, enquanto o dourava também. Correu aquele areal, entrou na água, nadou, brincou, riu, gritava de alegria, mas curioso, nem eco fazia...
Tudo era lindo à sua volta... o mar imenso de água tão azul, que chegava a confundir-se com o próprio Céu e uma pequena floresta de pequenos arbustos, com os mais silvestres dos aromas...
O sol começou a descair, para dar lugar ao anoitecer, mas nem isso a amedrontou, algo lhe dizia que aquele lugar, nada representava para qualquer malfeitor.
Sentia já uma fomita e sentou-se para petiscar alguma coisa, alheia a qualquer pensamento que pudesse manchar “tanta quietude”...
Ligou o seu som e enquanto comia, fazia-se acompanhar por um dos seus ídolos, Freddy Mercury, tão louco quanto ela, podem crer.
Olhou para o céu e a Lua tão cheia e prateada, completou aquele quadro de fascínio total.
Lá de cima, a Lua ria para ela e estendendo os seus braços, fez até questão de a pentear, com os seus dedos suaves, fazendo caracóis, naqueles cabelos ainda molhados, como quem a queria transformar numa “ninfa” digna de todos os Olimpos.
Ficaram grandes amigas, como devem imaginar.
A noite já ia adiantada e ela cansada e linda, deixou-se adormecer.

De repente um barulho, parecendo ser de carro, deixava-a assustada e incrédula de que alguém mais conhecesse aquele lugar, levantou-se.
- Não se assuste, sou um homem de bem e apenas procuro paz.
Saltou do carro, era realmente elegante no porte e na palavra, o que de imediato a tranquilizou, para além de ser um “pedaço” de homem, vestindo à vontade, mas com qualidade... porte atlético e uma fiada de dentes alvos, numa boca perfeita e sensual, prontinha para ser beijada... os olhos, meu Deus...de um mistério profundo...
- Mas como veio aqui parar, já conhecia isto, perguntou ela...
- Não, vim ao acaso, para fugir de tanta coisa que me incomoda...
Não podia ser, almas assim gémeas, só mesmo em fim-de-semana e dos loucos...
- Quer comer alguma coisa?
- Tenho um ratinho, sim...
- Vá lá, sente aqui na minha toalha...é a única, não esperava visitas, confesso...
- Pois só trago mesmo a roupa do corpo....homem e nada organizado, mas também acredite....saí à toa, sem destino, tinha apenas necessidade de apanhar um ar puro, diferente e que me permitisse divagar.

Comeram, riram, conversaram, temas com muito interesse, outros sem interesse algum, mas o que na verdade os intrigava... que raio seria, aquele destino perfeitamente anónimo para os dois, achar “aquele palco invejável”, para o mais inevitável espectáculo... acabaram nos braços, um do outro cheios de sedução e encantamento. Amaram-se loucamente, rolaram na areia, em pleno êxtase, sem preconceitos ou qualquer tipo de tabú, apenas entregues a si próprios, perfeitamente desnudados de corpo e alma... “paixão de ocasião”, por isso mesmo, vivendo aquele momento bem único, pois confessavam um ao outro, nada parecido, antes lhes ter acontecido, entraram na água, fascinados com aquele presente, que a vida acabava de lhes dar. Foram crianças, adultos, meigos, doces e perfeitamente selvagens, na sua condição natural e sem nada pedir em troca....apenas exigindo “dar e receber” á altura do sublime encontro, que ambos sabiam, tinham a certeza... ficaria para sempre guardado, no relicário das suas lembranças...

Adormeceram colados, feitos um só, alheios a tudo, nem o chilrear dos passarinhos, que em bandos, esvoaçavam sobre eles, os fez despertar daquele sonho, que ambos sentiam ser único, naquela madrugada, de todas as madrugadas...
O Sol já ia alto....
O mundo de cada um deles, esperava-os... tinham que partir... juntaram cada um, os seus pertences e caminharam para os respectivos carros...
- Ah, como te chamas, perguntou ela.
- Dudu, respondeu ele.
- Eu sou a Magui...
- Boa viagem...
- Para ti também... mas não contes para ninguém a existência deste Paraíso...
- Ah, só mais uma coisa, acrescentou ela....em momentos de desencontro, quando a angústia e o desencanto, te apanharem à falsa fé, volta a este porto seguro e encontrar-me-ás nesta calmaria, plena de quietude, sentada no patamar da vontade desmedida de te ter, de nos termos...outras vezes, tantas vezes...quantas o nosso desejo, a nossa emoção, a nossa loucura o permitirem e chamarem por nós...


Milena Guimarães