quarta-feira, 26 de outubro de 2011


NINGUÉM

Ninguém ajoelha na inquietude de uma história, repescada no livro das imensas recordações, que apenas temperam a solidão...
Ninguém acredita numa vida mesquinha, vazia de tudo e cheia de nada...
Ninguém com o sangue nos olhos e as lágrimas nos dedos, tece o seu próprio mundo...
Ninguém descansa no regaço de quem já partiu, suspenso nas nuvens dum contorno indefinido do tempo, que velozmente corre sem sentido...
Ninguém chega ao cimo da montanha, sem rasgar a alma, nas arestas das suas próprias escarpas...
Ninguém adormece em lençóis de sonho, bebendo todas as gotas de um pesadelo, tecido em linho fiado nas linhas do medo...
Ninguém se afoga na sádica espuma no fundo do mar, sem se ensopar nas grossas lágrimas vertidas, por uma vida que nunca quis, perdendo-se apenas na dimensão profunda, de um concreto esquecimento...
Ninguém repousa na melodia dos riachos, sem molhar o doce sorriso, acordando as estrelas e tecendo a sua própria teia...
Ninguém sobe às árvores, sem o medo de uma fuga, no comboio da espera de um gesto, dum grito de tantas noites caladas, trocando o pijama pela pele de lobos famintos, ouvindo o uivo da fome de carne, em vendavais de desejos cheios de pecados...
Ninguém se despede de alguém sem a certeza de um novo encontro, mesmo sem se saber a quem se pertence, apenas pela valia de um carinho atrevido, na evidência de um terno olhar...
Ninguém respira emoções de verdade, fechada no quadrado da recordação, passando de página em página o tempo vivido, tantas vezes apoiado apenas no fio da navalha, onde se arrancavam todas as vitórias...
Ninguém como eu... espera da vida, nada que não seja a própria vida, com uma enorme barriga prenha de vida sem prazo de validade, para assim poder contemplar, agarrar e viver todos os momentos de deslumbramento, fascínio, espera, sorriso e vontade, sem os quais a vida não é vida...


Milena Guimarães

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