terça-feira, 20 de março de 2012

ADORMECIDO


O tempo dorme o sono longínquo no silêncio da distância, com sabor a ausência.
Enquanto isso eu sonho com a terra prometida, com um amor sem fim e deixo-me apetecer ribeiros bordados de luar, espreguiçando o romper da aurora, que desagua em mim em pingos frescos de orvalhadas manhãs.
E o relógio digital na mesinha de cabeceira, parece adormecido no seu descanso, mas não...cumpre religiosamente todos os segundos, registando um a um, todas as batidas de um coração tecido em infinitas mágoas.
E nesta sentença de uma existência maior, a certeza de uma alma vagabunda assente na tortura de mil desencantos.
Momentos...muitos...tantos...todos os que me apeteceram, que mexidos e remexidos no saco das minhas memórias, qualquer um tirado à sorte, sabe-me a "lendas" de uma "Senhora Rainha", vividos na primeira pessoa, com destino marcado neste meu inebriante sonho, de mãos dadas, achadas e perdidas no meu fado inevitável que só eu soube inventar.
Assim...no tempo que é meu, vivo eternamente os erros, os defeitos, os enganos, as dores, os amores, as delícias, as paixões, os arrependimentos, as alegrias, as glórias...neste silêncio em que me ouço e me entendo.
Render-me a tudo o que soube fazer, melhor ou pior é simples e abrigando-me da chuva que deixa nas minhas entranhas o cheiro a terra molhada, deixo-me passear no meu pensamento e gosto de mim...gosto muito!
E no murmúrio dos segredos de toda uma vida esculpida nas palavras que escrevo, espanto-me comigo própria e fascino-me de cada vez que desvendo "ais" impossíveis de conter.
E enquanto o tempo dorme o seu sono repousante, sinto a constante busca de tudo, dos poéticos passeios na margem da fantasia, da escalada a montanhas vermelhas em gestos decisivos, de caminhar em mares desaguando no pacífico dos oceanos, de olhar a lua e afastar os seus fantasmas, de invocar deuses esquecidos, de esticar a linha do meu horizonte e tudo isto com a nitidez de um todo...ainda que só e na minha apaixonante loucura...mas antes que o tempo acorde.

Milena Guimaraes

domingo, 11 de março de 2012

DESENCONTRO

Desassossegadamente quisera eu ter tido sempre por companhia, aquela menina travessa na atitude, ágil no pensamento, inteligente na solução e doce no ser, que aos poucos foi fugindo de mim, porque eu não soube nem pude impedir a sua natural condição de crescer, abrindo mão elegantemente da sua inocência.
Ah...como me arrependo de a ter deixado partir, sem ao menos com ela tivesse tido o engenho e arte de aprender a eternamente ser criança.
Hoje...neste abismo de cedo entardecer, sinto o calafrio da noite gelada que se aproxima de mim, em seus pezinhos de lã...bem sei, mas sadicamente fazendo-se notar.
Muitos ventos, tantos ventos que têm soprado e tão fortes que perdi até a conta nos desencontros na veia, sob o signo da hipnose de qualquer coisa na minha vida, mais importante do que é hoje.
E nesta intenção de viver, sempre reclamei a mim própria a subtileza dos que comigam privaram com maior intimidade, a roída saudade de um tempo que não foi deles, mas meu...muito meu.
Tantos pensamentos sem o discurso da interpretação, esperam-me ainda e sempre...momentos...instantes onde a minha virtude íntima, lhes dê a consciência plena de um tempo nesta vontade imperativa de "acontecer"!
Aquela criança que foi crescendo longe de mim e se foi fazendo mulher, passeando-se na consciência das suas vontades...hoje...um tronco forte de sorriso franco e aberto, aconchegando de encontro ao seu peito, todos os ramos.
E eu?
Igualzinha a ela...segurando os seus deditos e apertando-os nos meus, apenas na distância da amargura silenciosa, calada na paixão de uma bebedeira, no desalinho constante de tanta solidão.
Sei...
Sinto...
Tenho a certeza, lolgo, logo sem mágoa, ressentimento, cobrança, tristeza ou qualquer coisa parecida...nada nos cansará de correr nos campos, apanhar a urze do mato, cheirar o perfume do alecrim. colher o suave do jasmim, beber as chuvas de abril, sentir a brisa fresca da liberdade, contemplar a vida e enfim sonhar com todas as delícias e maliciosamente de alma cheia, com um único desejo de viver e mesmo de olhos fechados, enxergar com nitidez, que tudo será apenas o "que tiver de ser".
E por fim...sentadas na encruzilhada dos nossos corações, amanhecer...felizes em todas as manhãs, no silêncio das palavras!