sexta-feira, 26 de março de 2010



O INEXPLICÁVEL II

Aquela mulher feita, com uma vida recheada de sucessos, de vitórias, de problemas, de muitos amores e desamores também, uma vida enfim... repleta, activa, forte e muito, muito envolvente, precisava de relaxar, de respirar ar puro, de ouvir os passarinhos cantar ao romper da aurora, longe da balbúrdia da grande cidade.
E para isso, não lhe falassem em hotéis de luxo ou coisa parecida... pois só havia um lugar e mágico... aquela “casinha”, que a sua Avó lhe havia deixado e onde ela tinha sido tão criança e tão feliz.
Assim, mal apanhasse um fim de semana prolongado, metia-se no seu carro e lá ia a caminho do “seu Trás-os-Montes”...sim, porque ela chamava-lhe seu e com que propriedade.
A “casinha” de pedra erguida no meio do pinhal e afastada da aldeia... era uma boa casa “senhorial”, com todo o conforto na época... uma enorme cozinha com lareira à séria, onde o fumeiro secava, uma mesa comprida que dava para todos e eram muitos. A sala de banho, sim era mesmo uma sala, com uma banheira de esmalte com os pés em cobre, que eram quatro leões a segurar, mas não havia canalização, aquecia-se a água em potes à lareira. À medida que conduzia, todas estas lembranças, lhe vinham à memória, fazendo-a sorrir sempre que se lembrava dos primos e das “malandrices” que ajudava a arquitectar. Era uma pena, mas estava fechada, embora sempre muito asseada graças á senhora Ermelinda, mulher sozinha, já duma certa idade, mas muito amiga, que se encarregava de tudo e imaginem a troco apenas duns “miminhos” que a sua menina lhe trazia... então aquele xaile estampado, para ela usar na missa dos Domingos, foi o melhor presente que lhe podia ter dado. Só a inveja que ia fazer à comadre e amigas! Sábia a senhora Ermelinda que não conhecia uma letra do tamanho duma casa, mas sentia o quanto eram importantes estes “intervalos”, na vida da menina que ela tinha visto nascer.
Porém, além do descanso ela tinha um segredo que alimentava o seu imaginário e que não dividia com ninguém, pois além de inacreditável seria até um sacrilégio.
O seu primeiro Amor… que Saudade… o Hélder!
Como ele era lindo, alto, loiro, meigo, delicado e inocente… como corriam por aqueles montes de mãos dadas, como ele tinha sempre à mão um mimo para lhe fazer, e como todas as flores campestres serviam para enfeitar os cabelos dela. Mas o melhor e único presente que ele lhe tinha dado….aquela bonequinha de celulóide, com um vestidinho garrido de chita, comprada na feira dos 25, lá na aldeia…. Ai… aquela boneca… dançava, rodopiando em seu quarto, sempre com ela colada no peito.
Quem diria que aquele Amor jurado eterno acabaria fatidicamente na espetadela duma vareta enferrujada de um guarda-chuva velho, todo esfarrapado que tinham descoberto na adega, para fazerem um papagaio... quando o Hélder se espetava num dedo, provocando assim o tétano ao infeliz apaixonado.
Tudo morria ali, menos a profunda saudade que até hoje é saboreada e vivida com um gosto do “inexplicável”, pois cada vez que a nossa amiga vai relaxar à sua “casa de recordação”, uma boneca igual à primeira, está confortavelmente deitada no travesseiro da sua cama.
Uma colecção, já enorme faz parte da vida desta mulher, que cada vez mais apaixonada por um passado, procura fazê-lo bem presente, num futuro completamente desconhecido e inexplicável……….


Milena Guimarães

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