PECADO MORTAL
Maria Manuela era realmente uma jovem muito bonita, alta,
elegante, com um corpo bem definido, de pele branca acetinada, um rosto lindo,
olhos esverdeados, cabelo loiro solto e rebelde, que num todo lhe conferiam um
ar misterioso e selvagem. Por onde passava...deixava sempre bastante inveja
"nas" e muita cobiça "nos". Nos seus dezassete anos,
frequentava o 12º ano do Liceu, sendo uma aluna irrepreensível, sonhava um dia
ser arquiteta já que as artes eram de todo a sua vocação.
Filha única de uma família classe média. O Pai, o senhor
Artur, gerente na Caixa Geral de Depósitos, era um homem muito bem sucedido
profissionalmente, atencioso e sorridente, sempre bem vestido, nos seus fatos
de corte elegante, com o requintado detalhe das gravatas combinarem na
perfeição, não escapava a olhares indiscretos e com uma certa malícia, que
algumas das clientes lhe "botavam" debaixo das pestanas cheias de rímel.
A Mãe, enfermeira, trabalhava numa unidade hospitalar, em
urologia. Gostava demais do seu trabalho, apenas um senão... fazia muitas
noites. Mas era uma mulher muito feliz, pelo menos era isso que deixava
transparecer, fazendo de todos os seus dias uma festa. Deolinda de seu nome,
chamada por todos de Linda, tinha um sorriso encantador, de humor brilhante,
sempre pronta a pregar uma partida aos colegas, para quebrar a rotina do
trabalho. Os seus pacientes eram tratados naquele internamento, com um
desmedido carinho, a ponto de sempre perguntarem quando a enfermeira Linda,
estava de serviço.
Tudo levava a crer que esta família pequena mas unida, era
efectivamente uma família feliz. As semanas decorriam com o seu habitual,
trabalho casa, casa trabalho. Os fins de semana já tinham outra conotação, pois
não se limitavam a serem apenas passados ora em casa dos pais, ora em casa dos
sogros, com os tradicionais almoços, na sua maioria saiam os três para longos
passeios e um almoço num requintado restaurante. Quatro casais, com os respectivos filhos,
entre eles os seus compadres, os padrinhos da Maria Manuela, conviviam entre si
com uma enorme amizade sempre prontos para as festas de aniversários,
carnavais, passagens de ano, em casa de uns ou de outros, onde tudo era motivo
para se divertirem e serem felizes, o que conseguiam facilmente.
Tinham acabado de construir a casa dos seus sonhos, num
terreno que os pais da Linda lhes deram, com empréstimo mais que bonificado, ou
não fosse o Artur gerente na tal Caixa...dois bons carros topo de gama, muito
conforto e a vida sorria sem que nenhum
se questionasse do que lhes ia na alma.
Naquele dia, Linda foi ao supermercado como o fazia tantas
vezes, sem sequer poder imaginar, que ali mesmo acontecia o princípio do fim.
Atenta às suas compras e completamente alheia a tudo o que a rodeava, foi
surpreendentemente abordada pela professora de Português da sua filha, a Dr.ª Isabel que se mostrou logo feliz naquele
encontro inesperado. Cumprimentaram-se e a professora foi logo dizendo que gostava
imenso de trocar algumas palavras com ela. Combinadíssimo, mais umas coisinhas
que faltavam e as duas encontrar-se-iam na Confeitaria do supermercado. A Linda
foi a primeira a chegar, sentou-se e pensava: que raio de assunto terá ela para
me falar? a minha Manuela é tão boa aluna... teria acontecido alguma coisa?
entretanto chegou a professora interrompendo assim os seus pensamentos.
Sentou-se, ambas pediram um chá e umas torradas e enquanto
esperavam a professora foi logo dizendo: A dona Linda sabe que eu, para além do
aproveitamento dos meus alunos, tenho uma enorme preocupação, estou sempre
atenta e pronta para os ajudar no que mais eles necessitam, sou assim uma boa
confidente e tenho a maior cumplicidade com eles. Sinceramente nem acho que
seja mérito meu, mas sim o facto de não ter família, acabo por ter todo o tempo
do mundo.
Lá isso é uma grande verdade, comenta a Linda, não ter marido
nem filhos para cuidar é muito bom, mas por outro lado a solidão é muito cruel.
Bom, mas na verdade o que eu quero conversar consigo é sobre
a Manuela... não, não é sobre o aproveitamento dela, pois é uma excelente
aluna. O que me intriga é o facto de ela ser uma das mais bonitas alunas que
tenho, todos os rapazes a abordam e ela nem troco dá. Como sabe nestas idades e
até mais cedo, todas as jovens têm uns namoricos. Acho estranho, já tentei
várias vezes ter uma boa conversa com ela, mas não resultou. Vejo-a sempre
isolada, pensativa. Por mais que a questione, será que tem algum amor
clandestino, um homem casado, uma tendência sexual de lesbianismo?- a Dona
Linda ainda não reparou em nada?
Sabe como é Dr.ª Isabel eu e o pai preocupamo-nos em que nada
lhe falte, depois como ela é tão boa aluna e o nosso trabalho ocupa-nos tanto
tempo e como ela não nos traz nenhum problema, achamos que tudo vai bem, mas
agora estou preocupadíssima e vou tentar falar com ela.
Isso, faça isso Dona Linda, pode ser até cisma minha, retruca
a professora.
Despediram-se e a Linda lá foi para casa, cheia de dúvidas,
pensamentos estranhos e muitas culpas... será que se passa alguma coisa
preocupante com a minha menina e eu nada percebi, oh meu Deus...não vou-me
perdoar nunca.
Chegou a casa, tirou as compras do carro, arrumou-as e nem o
Artur, nem a Manuela tinham ainda chegado. Foi preparar o jantar e uma infinita
ansiedade apoderou-se dela de uma tal maneira, que tremia por todos os lados.
Falava de si para si- Linda tem controlo nessa tremedeira, olha que eles vão
perceber...tens que disfarçar e fazer de conta que nada se passou. Lá foi conseguindo
com enorme esforço.
Jantaram e tudo decorreu como habitualmente. As mesmas
conversas e o ritual de sempre. O marido e a filha ajudaram a levantar a mesa,
a Linda arrumou a cozinha, o marido sentou-se no sofá a ver televisão e a filha
foi para o quarto dela.
Passada uma horita, a Linda foi ter com a Manuela ao quarto,
sentou-se na beira da cama e começou a falar com ela, debaixo de uma grande
pressão, pois não queria de modo algum que ela percebesse a sua preocupação e
lá foi soltando as palavras com imenso cuidado e alguma naturalidade: então
filha como é que vai tudo lá no Liceu? oh Mãe, vai tudo bem. - Pois filha,
sabes não era bem isso que eu queria saber...é que tu és tão bonita, elegante,
simpática e não te vejo com nenhum namoradinho, passa-se alguma coisa contigo?
eu na tua idade, já estava farta de namorar e olha que os tempos eram outros,
cheguei a levar algumas tareias dos teus avó, por conta disso. - tens cada uma
Mãe, então é essa a tua preocupação? não acho graça a nenhum colega lá do Liceu,
são todos uns putos, sem mentalidade, bué de infantis, além de que eu estou
determinada a formar-me e depois sim,
penso nisso...também ainda sou tão nova e não vês que agora cada vez se casa
mais tarde?
Perante as respostas da filha, que lhe pareciam tão sinceras
e naturais, sentiu-se mais aliviada e achou mesmo que era cisma da professora.
Tens razão Manuela, eu só quero que tu sejas muito feliz, sabes como
é...preocupação de mãe. Deu-lhe muitos beijinhos de boa noite, saiu do quarto,
respirou fundo e pensou: ainda bem, graças a Deus a minha menina é na verdade a
melhor filha do mundo.
E tudo continuou como antes, afinal estava tudo bem e não
havia mais o peso da culpa, de ser distraída por conta do trabalho, mas sim a
promessa que fazia a si própria: vou arranjar mais um tempinho para dedicar à
minha filha, só temos esta e ela tudo merece.
Na semana seguinte, numa quinta feira a Linda foi fazer
noite. Por volta das vinte e duas horas sentiu umas dores horríveis nos
intestinos, o médico de serviço atendeu-a de imediato, medicou-a pois tinha-lhe
detectado uma gastrite. Lá se foi aguentando, mas com algum esforço, até que o
colega que estava de serviço com ela, disse-lhe: - oh Linda vai para casa,
deita-te e descansa, não há necessidade de estares a trabalhar com tanto
sacrifício, eu aguento e seguro bem o trabalho, depois só falta a medicação da
meia noite e todos descansam, se houver algum contratempo eu dou conta do
recado. A Linda a princípio ainda
recusou, mas acabou por aceitar, trocou de roupa e lá foi para casa.
Chegou com algum custo, meteu o carro na garagem e subiu. As
luzes estavam apagadas e o silêncio era total, pensou; já estão a dormir. Subiu
ao segundo andar, dirigiu-se ao quarto dela, abriu a porta devagarinho para não
acordar o marido e deparou-se com o inimaginável. A luz do candeeiro da mesinha de cabeceira
acesa e os dois, o marido e a filha nus, em cima da cama, faziam amor, sexo
explicito acompanhado de palavras obscenas.
Milena Guimarães
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