quarta-feira, 12 de outubro de 2011



CRUEL

Curioso...não há muito tempo e sorria, sorria, embriagava-me na minha própria alegria, achava graça a tudo, sem sequer prever (pois esse dom... não mo deram) que a Vida, quiçá a Natureza, na mais perfeita atitude de tirania, desempenhando com uma enorme “mestria”, o seu parentesco de “madrasta”, pregava-me uma daquelas partidas, que ninguém esquece nunca em sua vida, oferecendo-me assim de bandeja, esta “porca miséria”.
E arrancando toda a coragem aos fios da tristeza, que se banha todos os dias no rio de lágrimas, que desagua na foz da raiva desmedida, sigo...umas vezes ao sabor do vento, outras remando contra a maré e algumas com a persistente teimosia de quem quer arrancar as margens deste mesmo rio, para tentar a qualquer custo, ganhar espaço e lavar o “negrume” que se apoderou da minha alma ou afogar-me nele de vez.
E eu que era feliz e não sabia... andava, descia e subia, corria, dançava e dançava e dançava... e esta coisa tão singela de dar um passo atrás do outro, da qual nem nos apercebemos é de uma importância maior... podem crer.
Mas ninguém me questionou se eu estava disposta e livre, para atravessar o inverno mais longo e sangrento de toda a minha vida. Bom... nesta altura devem já estar a matutar...”mas que raio de tão grave lhe teria acontecido”?
Coisa pouca…apenas um pequeno pormenor, mas que marcou a ferros toda uma vida…Quem me olha não vê, quem me vê não sente, mas quem me sabe por dentro e toca nas minhas mãos, percebe de imediato que as águas cristalinas que em seu leito de seda faziam a sua cama, foram desviadas do seu caminho e arrastam agora, a todo o custo tudo o que sobrou da maior tempestade, do maior vendaval, do maior ciclone, do maior sei lá mais o que… e perdidas nas sombras da floresta, no grito da montanha, na pálida serenidade dos vales, apenas a certeza de cavar fundo fazendo sangrar a terra prometida, que não se oferece mais a troco de nada…porque é eterna no tempo que é seu, no silêncio profundo do seu destino. E eu que inventei a minha vida, com prazer e com dor em agonias breves, prenha do êxtase das incertezas…e o que foi eco durante tanto tempo, chama agora por mim, cruelmente e com o cheiro de lenha queimada.
E neste meu mundo de grandes mudanças, tanta gente cruzou e atravessou o meu caminho, sem que ninguém violasse os segredos de ninguém apenas se permitindo sussurrar lágrimas de inquietação, pela força exigida na árdua caminhada da vida e que no seu crepúsculo, fá-la perder de vista…gente bonita, gente assim assim, gente de todas as cores e de todos os credos a quem nada foi poupado perante tamanha desgraça. Uns libertando-se de semelhante pesadelo indiferentes ao fim, aceitam que tudo e todos lhes passem ao lado, na mais perfeita melancolia sonâmbula. Outros praguejando porque nunca tiveram a tal ocasião, mas esperando que a vida, ainda um dia vibre e borbulhe de novo. E eu?
Eu precisava ouvir de novo: “dá-me a tua mão…não acredites no amor da solidão nem nas mesquinhas promessas que sempre faz. Estou aqui apaixonadamente para te oferecer uma flor amarela, para te falar da Primavera e do seu tempo sagrado em florir, para contigo escalar a nossa intimidade como amantes perdidos, para renascer em ti todas as manhãs de céu azul e limpo”… precisava sim…como precisava…
Claro que nada disto consigo escutar, por mais que encoste o ouvido atrás da porta, (trazemos sempre de criança as coisas mais singelas como esta). E todos vão olhando, uns disfarçando mais dos que os outros, mas em uníssimo afirmando: “nada, não se percebe mesmo nada, como é que isto foi acontecer… pobrezinha!” Estas são as únicas palavras que consigo distinguir lá ao fundo, sentidas tenho a certeza, que todos (ensaiados pelo maestro da sabedoria) deixavam escapar a meio tom, das suas bocas incrédulas por tal crueldade. Não lhes quero mal por isso, antes lhes quero muito bem, pelo atravessar da penumbra deste meu mundo, a minha infinita gratidão em o quererem transformar, suavizando-o de todas as formas que sabiam, sentiam e inventavam. E isto eu não esqueço…guardo bem no lugar da minha memória, destacando com o mais infinito carinho, aquele “pedaço” de gente tão grande como o longe, que todos os dias ao raiar da aurora, como uma forma de oração sagrada, chovendo quase sempre e fazendo um frio de rachar, assistia à minha dor a crescer, aos meus sonhos desfeitos, mas com um sorriso aberto do tamanho da sua enorme generosidade, atravessava-me no pontão da vida, fazendo-me acreditar nela.
Mas eu… eu sou esta…um silêncio que se ouve e não se entende…um grito tenebroso que não se explica…
E acordar foi terrível… a tortura da dor, dilacerada na minha carne… a certeza da parte que se foi… que não está mais lá…porque se perdeu no tempo, antes do tempo chegar.
E debaixo da maior bebedeira de palavras, que se esfarelavam em todas as direcções, cheias de espanto e do incrédulo…uma voz rasgando as lágrimas na garganta… ainda assim chegava nítida, a voz de quem saiu de mim e que me vai seguir no tempo que ainda está para chegar… “ vamos atravessar os rios, escalar os sonhos, enlouquecer as noites, abraçar os dias, beber as chuvas, correr de vez com todos os fantasmas, mas não vais chorar sozinha, deixa-me chorar contigo… não havia mais nada a fazer…escrevi… assinei…agora, agora segura a minha mão e aperta-a com força… amputaram-te a Alma.”


Milena Guimarães

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