quarta-feira, 26 de outubro de 2011


LEMBRANÇAS


Aquele vestido de seda natural, com marcas de amor, jogado no chão num canto do quarto, esperava florir de novo.
Entre palavras mudas e nuas, o choro manso do corpo sensual e ousado, que tantas vezes lhe tinha dado vida, cansava-o de uma longa espera, quiçá inútil...
Mas no segredo da vida, no cais do silêncio, tinha a certeza, que a fuga continuada, amordaçada, anular-se-ia diante do antes e depois, para acontecer num presente qualquer, com corpo, sangue e sexo... num grito de infinita loucura, sentir o ardente fogo do desejo desmedido da sua suprema amante.
Os sessenta segundos de cada minuto, eram a mais dolorosa eternidade, mas sabia que a aprendizagem de uma espera, na agonia do vazio, dava-lhe a certeza, que nenhum caminho acabava ali...
Abrigado no seu instinto, vagueava nas lembranças de todos os momentos em que tinha sido arrancado daquele corpo e arremessado para o chão, para numa desvairada pressa e em completa nudez, se entregar à celebração do amor... passando antes obviamente, pelos gestos de perfeita sedução, sendo testemunho de jantares elegantes, em restaurantes de luxo sob a luz das velas, com promessas veladas de agarrar a noite, como se fosse a última.
O sorriso na boca molhada de saliva, tantas vezes obsceno... da sua cúmplice e amada, dava-lhe seguramente o orgulho de ser Vestido... de resto, não era um vestido qualquer... era Vermelho da cor do pecado e sempre usado em momentos especiais, cheios de sedução e glamour, como só a sua Rainha, numa atitude de Seda... sabia usar, encantar e patrocinar... todos os pecados.
Realidade única... sentia-se vaidoso de cada vez, que mãos fortes e suaves de um homem que sabia inventar a vida, o tocavam em transe de desejos, com uma vontade louca de o arrancar, porque estava a mais...
Claro que compensava ser quem era... o começar de tudo, sem ele... o fascínio e encanto, de mãos impacientes, perdidas em gestos proibidos e maliciosamente consentidos e partilhados, não seria igual ao afago da boca sedenta e de dedos perdidos, no silêncio do Paraíso, onde tudo se ouve e tudo se entende.
Estava decidido, era e sempre seria Vestido, pois mesmo despido, a tudo assistia deliciosamente fascinado na sua condição de segunda pele, vivia todas as emoções em forma de oração e de tanto amor, quase enlouquecer, no seu canto sozinho e abandonado... esperava sempre a próxima vez... porque sempre acontecia... com mais ou menos intervalos...ele “vestido” e a sua doce e selvagem “dona”, eram inegavelmente a dupla perfeita, em comunhão estonteante, abraçando sempre o novo, em busca de grandes emoções... porque as pequenas, essas faziam parte da vida pacata de cada um...


Milena Guimarães

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